Não tem quem não se arrepie ao ver esta carta em sua mesa, quer como consulente quer como tarólogo.
Como sempre, convém lembrar a origem do Tarot tal como o conhecemos hoje. Ele veio da Idade Média, como a visão de mundo desta época e que de certa forma ainda perdura hoje no ocidente. Estávamos sob o domínio da Igreja, numa verdadeira era de terror, onde a concepção de morte era a seguinte: algo definitivo, sem volta e com um destino eterno para nossa alma que poderia ser o Céu, para os puros de coração ou o Inferno, para todos os outros. Havia ainda o purgatório, uma forma atenuada de Inferno para os não tão puros, um estado transitório antes de ir para o Céu, mas um local igualmente aterrorizante.
Algo muito bem retratado nos autos de Gil Vicente e na Divina Comédia, de Dante Alighieri.
Isso não mudou muito mesmo com o Espiritismo, que herdou a visão de castigo, não mais eterno, mas ainda assim carregado de sofrimento para muitos, com uma passagem pelo Umbral, um local bastante semelhante ao Inferno católico, e somou a ideia do Carma, vindo do Oriente. Renascemos basicamente pra expiar nossos “pecados”. Nem com o ateísmo militante, que ainda não encontrou uma maneira satisfatória de lidar com a morte e, mesmo que tivesse, ainda tem séculos de condicionamento a serem superados.
A ideia da Morte também está ligada ao mito do fim do mundo, bastante cultivado no Ocidente, quer pela simbologia do Apocalipse (onde a morte é um dos cavaleiros) quer pela possibilidade real durante a Guerra Fria (onde Estados Unidos e União Soviética tinham arsenal atômico suficiente para destruir a Terra várias vezes) ou do terrorismo, de desastres ecológicos, e do apocalipse zumbi hoje em dia.
Vamos analisar carta a partir de algumas constatações. Em primeiro lugar, ambiguidade de gênero da carta. Em algumas culturas, a Morte é masculina (no próprio Apocalipse é um dos cavaleiros). Por exemplo, no desenho animado As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy, A Morte é masculina, representada pelo personagem Puro Osso. Aliás este desenho e uma forma de lidar com a Morte com bastante humor.
Já Neil Gaiman representa a Morte como feminina, uma figura sedutora. Esta visão pode estar associada a duas coisas. A primeira é vem a visão cristã de que todo o mal, inclusive a morte, vem da mulher. A segunda é também uma associação de que a morte é sedutora, outra visão vinda da cultutra patriarcal, que vê na entrega à sedução à perda do eu e o papel sedutor seria da mulher, até na última sedução.
Como contraponto, tem a visão dos índios Yaquis, trazida por Carlos Castaneda, de que morte seria uma conselheira. Alguém que esta sempre a seu lado à distância de um braço, capaz de tocá-lo a qualquer momento. Quando este toque for dado, sabemos que isto será definitivo e que esta é a única coisa definitiva. No mais tudo pode ser superado. Então, num momento de desespero, perguntamos a ela: “é agora?” E se ela tocá-lo, nos entregamos e deixamos a vida se esvair. Se não, sabemos que podemos superar o problema.
Em segundo lugar, não devemos esquecer que o Tarot deve ser visto de forma simbólica. A minha experiência como tarólogo e a de vários colegas é que A Morte raramente simboliza a morte física.
A nível simbólico o que é A Morte? Há duas coisas que ocorrem na morte: uma grande mudança e uma grande perda. Mesmo do ponte de vista ateu, a morte é uma mudança: num momento existimos e no outro não existimos mais. E mesmo do ponto de vista religioso, há uma grande perda, quer sejamos destinados ao céu, ao inferno ou a outra encarnação. Perdermos a vida como a conhecemos e o que temos após à morte é outra vida.
O Louco encontra-se com A Morte e descobre que sua vida teve um começo e terá um fim e que a cada passo que der, cada instante que viver esta á mais próximo de seu fim, mas que, apesar disso, deve seguir em frente. Aprendeu também que às vezes para progredir em seu caminho é preciso abrir mão de algo que preze muito.