O Louco agora parte para a vida com autonomia, terminado a fase de preparos e começa realmente a parte principal de sua jornada. Embarca em O Carro e ssume seu papel como gestor de seu caminho. Mas… será mesmo?
A carta que ostenta o número sete dos arcanos maiores é O Carro. Simbolizada pelo desenho de um carro puxado por dois cavalos, normalmente representados com cores diferentes e insinuando que cada um que seguir para um caminho diferente. Há um cocheiro, que é o sujeito da carta, que pode estar controlando a parelha. Às vezes com grande esforço, como é mostrado no Tarot Mitológico, ou não, como aparece no Tarot de Marselha, que sequer segura as rédeas.
Há um fato curioso: se os cavalos puxam igualmente para lados opostos, num ângulo menor que 180 graus, a carruagem ainda vai para frente.
Muitos associam esta carta como sujeito do Tarot, ele é o Herói que viverá a jornada. O Louco se torna o herói do carro, livre das forças mais universalizantes das cinco primeiras cartas e superando a indecisão adolescente da carta Os Enamorados. O Louco agora começa a adquirir o ego, que será lapidado no processo de individuação que se seguirá. Note que a superação da indecisão ainda não é total porque os cavalos querem ir para lados opostos.
Em O Carro do Tarot de Marselha parece que ele está indo mais pela inércia do que por sua vontade, já que não tem rédeas em suas mãos. Todavia a postura “deixo a vida me levar” é apenas parcial, já que optou por entrar na carruagem e sabe em que direção ela vai.
Heróis deste tipo povoam a literatura eo cinema fantásticos: Luck Sky Walker, da saga Star Wars, Frodo, da saga O Senhor dos Aneis, o jovem Capitão Kirk do filme Star Trek de J. J. Abrams (2009) e até Hommer Simpson, no longa da série. Frodo é bem típico, já que em nenhum momento desejava a missão que o destino lhe impôs, mas a agarrou com unhas e dentes quando se engajou nela. Luck Sky Walker abandonou seu treino de Jedai para ir em direção ao seu destino, o jovem Kirk se torna capitão em sua primeira missão porque o comandante morre e o imediato (Spock) não se encontrava em condições de comandar. Hommer é abandonado pela família e sua única alternativa ir em frente e libertar Springfield. O caráter será moldado ao longo da aventura.
A Jornada do Herói
Joseph Campbell em seu livro O Herói de Mil Faces, descreve os vários aspectos da Jornada do Herói, comum a várias mitologias:
1) O mundo cotidiano onde vive o herói. O condado de Frodo, o planeta onde vive Luck, a Enterprise de James Kirk e a Springfield de Hommer.
2) O chamado à aventura: algo perturba a vida comum do herói. Frodo recebe o anel, James Kirk é confrontado por Pike, Luck encontra R2D2, Hommer leva um porco para casa, que gera um imenso problema de poluição em sua cidade.
3) Recusa ao chamado: Frodo reluta muitas vezes, Kirk aparenta não ter envolvimento sério com a Academia, Luck se sente incapaz de fazer o que lhe é pedido, Hommer foge de Springfield.
4) Travessia do primeiro limiar. Luke acompanha Obi-wan, Kirk frauda o teste na Academia, Hommer percebe qua família o abandonou, Frodo deixa o condado.
5) Encontro com o mestre (pode ser um ou mais): Frodo tem como mestre Gandalf; Luke, Obi-wan e depois Yoda; Kirk encontra primeiro Pike e depoiss o velho Spock; Hommer, a Xamã Inui.
6) Aprendizado: Hommer é confrontado pela Xamã num processo de desmembramento e remembramento; Luke tem um primeiro contato com a filosofia Jedai com Obi-wan e depois aprende os valores, a magia e ciência Jedai com Yoda; Frodo recebe ensinamentos de Gandalf a respeito do anel e seu poder.
7) Travessia de novos limiares: Frodo é ferido por uma espada envenenada, Luck descobre que Darth Vader é seu pai, Kirk é expulso da nave pelo jovem Spock; Hommer decide voltar a Springfield e lutar pela sua família e pela sua cidade.
8) Situação limite: Luck luta com o Imperador, Kirk invade a nave Romulana, Frodo sobe a Montanha de Mordor, Hommer decide explodir a cúpula que prende Springfield.
9) Final da aventura (Bliss): Frodo destrói o anel; a nave Romulana é destruída; Luck derrota o Imperador; Hommer destrói a cúpula e liberta a cidade.
10) Caminho de volta: Frodo volta o condado, Hommer volta a sua vida normal, Luck consegue a redenção de Darth Vader (Anakin Sky Walker), Kirk volta à Enterprise.
11) Resignificado: Frodo carrega as marcas dos ferimentos da aventura e decide terminar o livro de Bilbo, Hommer consegue o respeito de Bart, Kirk e o jovem Spock se tornam amigos, Luck é recebido com festas por ter derrotado o Imperador e decide seguir o caminho dos Jedais.
12) Dádiva para o mundo: o mundo ficou livre de Sauron e do mal que ele representava, as diversas raças envolvidas ficaram amigas; Lea é reconduzida ao poder e paz retorna à Galáxia; a Federação se solidifica e Springfield é reconstruída.
A Heroína
Embora o arquétipo do herói seja fortemente masculino, nada impede de uma mulher percorrer a jornada do herói, E há versões femininas deste arquétipo.
Na Tarot Encantado, que tem características fortemente femininas, temos a escolha de Brunilde, a Valquíria, como representante de O Carro.
As valquírias eram entidades nórdicas com a função de levar os guerreiros valorosos, mortos em batalha, para Valhala. E Brunilde teria sido a principal das Valquírias, mas por ter desobedecido Odin, poupando um guerreiro por achar a determinação do deus injusta, é condenada a ficar dormindo em uma montanha e só ser libertada por um homem que a derrotasse. Ele ficaria presa em uma montanha, guardada por um dragão. Quem consegue a façanha é Sigfried, filho do herói que ela salvara.
Esta lenda dá origem à história da Bela Adormecida, que foi sendo bastante atenuada ao longo dos séculos. Numa das versões mais antigas, Brunilde é estrupada pelo seu pretenso salvador.
No Tarot Encantado, a cena evocada é a da Cavalgada das Valquírias, da ópera A Valquíria de Richard Wagner. Na carta, O Carro é mero coadjuvante, já que Brunilde está montada num cervo (na lenda é um cavalo) e, ao contrário do herói do Tarot de Marselha, mantém as rédeas seguras com a determinação de conduzir o animal (ainda que seja na direção oposta a que seu dever lhe manda). O herói masculino que está no carro consegue seus feitos pela inspiração da divindade. Aqui não há nenhuma ambiguidade. As rédeas tem que ser seguras em direção ao que manda a consciência da heroína.
A Heroína fará o que for preciso ainda que sofra as penas que lhe são impostas. É um outro tipo de herói, que parte da determinação e da coragem em contradizer a ordem vigente e paga o preço, às vezes com a própria vida. Ela não escolhe o sacrifício, como, por exemplo Jesus, mas está disposta tudo para defender aquilo que acredita.
De certa forma, esta postura tem muito a ver com as lutas feministas que vem ocorrendo no mundo em busca de maior autonomia, quebrando justamente o paradigma da supremacia masculina.
Um bom exemplo de heroína que percorre a Jornada do Herói, é Doroty, do Mágico de Oz. Sua motivação é bastante simples, só quer voltar para casa e o fará ainda que tenha que derrotar a Malvado Bruxa do Oeste. E o poder masculino, que seria sua salvação, é na realidade uma farsa.
Assim, o Louco descobre que pode ser um herói e embarca na aventura do auto conhecimento.