O Louco já conheceu a estrutura da natureza e da civilização, tomou contato com a religiosidade formal e agora dará mais um passo: ir em direção à sua sexualidade.
Se tomarmos ao pé da letra o nome da carta, seria o encontro com a sexualidade, a descoberta dos encantos de Eros. Fisicamente estaria na adolescência. Podemos estender esta comparação para as outras cartas: ele nasceu (ou descobriu a vida) ao encontrar o mago; passou a primeira infância sob os cuidados da sacerdotisa; aprendeu a andar com a Imperatriz; foi para a escola acompanhado pelo Imperador (que pode ser seu pai ou seu professor) e fez a primeira comunhão com o Papa.
No Tarot de Marselha esta carta é composta por um homem entre duas mulheres, que esta prestes a ser flechado pelo Cupido.
Waite preferiu um casal sendo abençoado, porém ao lado da mulher está a serpente, sugerindo que são Adão e Eva. A sexualidade seria a figura da serpente, visto como algo maligno pela cultura judaico-cristã (e patriarcal, visto que Eva é a origem do mal).
Contudo há um outro nome atribuído a esta carta: A Indecisão.
O jovem estaria indeciso entre dois caminhos, o espiritual e o material. Ou entre o amor mundano (sexo) e o amor espiritualizado (o casamento). Esta visão é colocada de forma mais explicita no Tarot Encantado, onde o homem está entre uma mulher que toca sua cabeça (amor espiritualizado) e olha para uma mulher em uma pose sedutora (sexualidade).
Há alegorias onde o inverso ocorre: a mulher indecisa entre dois homens. É o caso do triângulo amoroso de Guinevere, Arthur e Lancelot, retratado em As Cronicas de Arthur de Bernard Cornwell. Ou de Isolda entre o Rei da Cornualha e Tristão. Aqui há o conflito entre o casamento imposto pela sociedade e o amor verdadeiro (que envolve sexualidade) e termina de forma trágica para todos os envolvidos.
A separação entre sexualidade plena e espiritualidade é típica da Idade Média e tanto uma visão quanto outra são colocadas na mulher: a mulher idealizada como intocável (a donzela – outra palavra para virgem – dos romances de cavalaria) ou como fonte de tentação e de todo o mal (indo da bruxa à femme fatale dos dias de hoje).
A serpente aparece muitas vezes representando o desejo sexual ganhando representações cada vez mais dramáticas a ponto de virar o dragão que rapta a donzela (que curiosamente o cavaleiro de “coração puro” tem que matar com uma lança – uma forte alegoria da relação sexual).
No oriente, a serpente também está associada à sexualidade, porém de uma forma mais positiva: ela representa a energia vital que está adormecida no chacra básico e pode ser despertada pelo sexo, energizando todo o ser. A dicotomia sexo / espiritualidade é inexistente, quando olhada deste ponto de vista.
Na história do ocidente esta questão tem uma relação pendular indo de um extremo ao outro ao longo do tempo. Períodos de liberdade sexual plena são alternados com períodos de repressão máxima. Da permissividade geral à culpabilização pelo sexo, quer seja por leis ou por medos disseminados (inferno ou aids).
O Tarot é medieval e ocidental e traz este conflito nesta carta.
Há uma outra interpretação possível sobre as duas figuras femininas, mas não muito usual. Em vez de serem duas possíveis pretendentes é a mãe e a futura nora. Na Idade média o casamento só acontecia com a aprovação dos pais, a partir de uma negociação envolvendo as duas famílias. O rapaz estaria em dúvida entre ficar na casa dos pais ou se casar e conduzir a própria vida. Simbolicamente pode ser vista como a oportunidade de sair da casa dos pais, seja através do casamento como de uma iniciativa de morar só.
No contexto geral representa qualquer decisão que temos que fazer onde escolher uma coisa faz abandonar outra. E é angústia de Sartre que a coloca de forma radical: somos condenados a ser livres e esta liberdade envolve escolhas, das quais só nós podemos responder.
Em diversas sociedades, na adolescência é feito um rito de passagem (pode ser uma prova de coragem, um ritual religioso ou um ritual social). Por exemplo, a primeira caçada, o Crisma, o Bar Mitzvah ou o baile de debutantes.
Estes rituais indiretamente indicam que a responsabilidade pelas escolhas nasce com a sexualidade. Isso tem origem na capacidade de gerar filhos.
Assim o Louco em sua caminhada assume a sua sexualidade e a responsabilidade pelas escolhas.