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Lilith e o dia Internacional da Mulher

Aproxima-se o dia 8 de março, que foi convencionado como Dia Internacional da Mulher. Como todas as datas comemorativas, ela hoje está esvaziada de seu significado. Mulheres recebem rosas com mensagens bonitas e, no dia seguinte, as coisas voltam ao cotidiano.

Para ser um pouco diferente, pretendo neste post, publicado com antecedência, para, eu espero dar tempo de se meditar sobre o assunto, mostrar uma personagem que é bastante significativa no universo mitológico: Lilith.

Lilith é uma divindade babilônica feminina, associada à noite e a lugares desertos. Os relatos nos chegam através da visão hebraica do mito, que o demonizou. Os hebreus tiveram um longo período sob domínio dos babilônios e tendiam a ver os deuses de seus captores como algo extremamente negativo.

Na tradição judaica medieval, Lilith aparece como a primeira esposa de Adão, que se rebelou por não aceitar a dominação masculina imposta por Javé e foi por isso expulsa do Paraíso. Ela foi associada ao desejo sexual e aos sonhos eróticos, considerados maléficos. A Igreja Católica reforçou este mito, colocando Lilith como castradora e líder de uma legião de demônios de natureza sexual, os íncubos (masculinos) e súcubos (femininos). Ela também foi considerada esposa de Lúcifer ou de Samael.

O interessante é que Lúcifer é associado à Estrela D’alva, aparecendo nos primeiros minutos da aurora e Lilith é um ser noturno e deve se recolher aos primeiros raios de sol. Ela e seu amado só podem ser ver por breves instantes. Esta ideia foi muito bem explorada no filme “O Feitiço de Aquila”.

Lilith começou a ser revista no século XIX, pelos autores românticos, que viam nela o aspecto sedutor e a expressão do desejo sexual feminino, encarado agora de uma forma mais positiva.

Ela representa a parte feminina mais selvagem da mulher, reprimida e impedida se manifestar, para que a organização patriarcal se erguesse. Isso não foi feito racionalmente nem de uma vez, mas ao longo de séculos, muitas vezes de forma inconsciente.

Também a sua libertação se dá pela necessidade da livre manifestação do desejo (de todos, homens e mulheres), reprimido na era vitoriana, fazendo aparecer a mulher fatal, que acende o desejo do homem, mas pode ser perigosa, mostrando o medo de se libertar algo que não se conhece.
Nós (a maioria dos homens e muitas mulheres) tememos Lilith, por não sabermos quem ela é de fato. Ao tentar analisá-la, ela parece fugir, é arredia e escrever sobre ela parece difícil. Dizem que ela foge das palavras, pois as palavras são um atributo de Javé, o Deus patriarcal. Ensaios acadêmicos não libertam Lilith, apenas tentam analisá-la, dissecá-la, e depois prendê-la no Logos.


Quem quiser escrever sobre ela terá que procura as palavras com auxílio da bruxa (outro termo demonizado), pois a bruxa também tira poder das palavras, através dos encantamentos (em inglês, uma das palavras para feitiço é spell, que também significa ‘soletrar’). Um dos motivos da perseguição às bruxas é porque elas dispunham de um poder que rivalizava com o poder estabelecido.

Simbolicamente, o poder da palavra, no sentido da palavra ser criadora. Para o poder dominante, bruxas apenas praguejavam ou amaldiçoavam, criando somente o mal. De certa forma este preconceito ainda persiste, colocando a fofoca como um atributo apenas feminino. Um dos sinônimos para fofoca é fuxico, palavra que também significa “trabalho manual feito com retalhos de pano”. Normalmente este trabalho é feito por várias mulheres reunidas.

Muitas vezes Lilith é representada como um vampiro, um ser que tem a mesma ambiguidade que ela. Na tradição hebraica, às vezes ela é chamada de “bebedora de sangue”, um insulto associado à proibição judaica de se abster de sangue.

O vampiro representa a sedução e o perigo juntos. Alguém que oferece algo desejável, mas que tem um alto preço. A mesma imagem de Lilith. Ela oferece o prazer livre de culpa e o preço sermos expulsos do Paraíso. Psicologicamente nos tira do sonho infantil e nos coloca na realidade. Por isso Lilith é associada à serpente que tentou Eva. Perdemos o Paraíso, mas ainda que aqui seja “o Vale de Lágrima”, aqui podemos evoluir.

Fugidia, nos assustando, ainda assim deve ser libertada. Quando ela vier à luz em sua totalidade veremos o quão bela é e podemos finalmente respirar aliviados.

Lilith também esta associada ao arquétipo Ânima, o lado feminino do homem. Muitos homens evitam a Ânima com medo de que este contato destrua a sua virilidade, o que acaba sufocando junto várias capacidades, inclusive a capacidade de sonhar e de sentir emoções (“homem não chora”, “poesia é pra mulherzinhas”, “homem tem que ser bruto”)  e , paradoxalmente, os impede de se aproximar das mulheres de maneira integral.

Vou fechar com um poema, que escrevi em 2007:

Antes de Eva foi Lilith!
Mas Lilith recusou-se a ser servil
Nunca ao homem subordinada,

Mas a seu lado,
Desfrutando o Paraíso,
Sem Deus a lhe mandar
Nem o diabo a lhe tentar.

Livres. Lilith e Adão,
Nus, puros e sem perdão,
Pois não há do que perdoar,
Nem a quem pedir perdão.

4 comentários em “Lilith e o dia Internacional da Mulher”

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