O Diabo e os Amantes – Duvidas e Tentações no Tarot

Hoje, Doze de Junho, celebra-se no Brasil O Dia dos Namorados. Escolheu-se esta data por ser véspera da festa de Santo Antônio, o santo casamenteiro na tradição folclórica brasileira. Nada mais justo do que falar um pouco do Arcano Os Enamorados, ou Os Amantes que, no Tarot se contrapõe à carta do Diabo.

Os Arcanos Os Amantes e O Diabo estão muito associados à sexualidade. A vida amorosa é o que mais motiva as consultas ao Tarot e por isso essas duas cartas merecem atenção especial.

A origem do Tarot como conhecemos hoje é medieval e sua simbologia remete à esta cultura, presa à Igreja e seus dogmas, o que significa uma forte repressão à sexualidade.

Se levarmos em consideração a forma como ocorriam os casamentos, até o amor onde eu tenho o direito de escolher meu parceiro era um tabu, já que isso era decidido em acordos feitos pelos pais dos futuros noivos. Era comum na época histórias do estilo de Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta onde os amantes transgrediam estas regras e terminavam mortos de uma forma trágica.

Os Amantes

Observe a cena da carta O Enamorados no baralho Tarot de Marselha. Um rapaz está entre duas mulheres, uma o abraça e ele olha para outra. Muitas vezes isto é interpretado como “dúvida”, já que o noivo parece estar indeciso entre uma  e outra. Esta dúvida normalmente é associada à escolha entre espiritualidade e materialidade.

Mas se levarmos em conta o que falamos há pouco, a outra mulher pode simbolizar a mãe (ou do rapaz ou da moça), da qual ele espera aprovação, embora exista paixão, representada pelo cupido ao alto (que aponta a flecha diretamente para a moça). Não deixa de ser uma dúvida, e a espera de aprovação, embora fosse algo normal para sociedade da época, é um sinal de imaturidade.

No Tarot de Waite, publicado pela primeira vez em 1910 a imagem é outra. No alto há um anjo e há apenas o casal sendo abençoado. Entretanto, o preconceito contra a mulher e a sexualidade ainda está presente. Ao lado da mulher está a macieira com uma serpente enroscada, que simboliza o sexo. Ao lado o homem uma árvore com as folhas pegando fogo. É comum associar o fogo ao desejo sexual. A maioria dos interpretes sinaliza que ainda está presente indecisão e imaturidade. Espero as bênçãos dos céus para realizar meu desejo, já que a mulher representa um perigo de queda.

O Diabo

O contraponto desta carta é O Diabo. Note que a carta dos Amantes é o arcano 6 e o Diabo, o arcano 15. Somando seus algarismos temos novamente o número 6.

No Tarot Marselha o Diabo é representado tendo acorrentado a seus pés um homem e uma mulher. A interpretação é que os amantes do arcano 6 caíram em tentação e foram aprisionados pelo Diabo, que os mantém acorrentados e manietados e sob sua vigilância permanente (ele tem olhos também na barriga e nos joelhos).

Uma coisa que salta aos olhos é a ambiguidade de gênero do Diabo no Tarot de Marselha. Embora ele tradicionalmente seja representado por um homem, ele é mostrado com uma silhueta feminina e seios flácidos, como se fosse uma drag queen cujo implante de silicone foi mal feito. É algo mais ridículo que assustador.

É bom lembrar que o Tarot de Marselha foi feito a partir de cópias realizadas por artistas populares, que não dominavam técnicas de pintura.

Já no Tarot de Waite o paralelismo entre as duas cartas é muito mais explícito. O casal está na mesma posição e o diabo está no lugar do anjo. As árvores forma substituídas por rabos. Na mulher terminando num cacho de uva e no homem terminando numa pequena chama que parece ter sido ateada pelo Diabo (que tem um archote na mão, inclinado em direção ao rabo do homem). O homem está literalmente com “fogo no rabo”, uma representação bem mais explícita do desejo sexual. Eles estão acorrentados a seus pés, mas as correntes parecem mais colares que correntes.

O Diabo, diferente do de Marselha, é representado por Baphomet, uma entidade demoníaca falsamente atribuída aos Templários, de uma forma bem assustadora, sobretudo nas primeiras versões do Tarot de Waite, para deixar claro que ele representa o Mal.

Entretanto, o casal tem uma expressão serena e presos por correntes frouxas, o que indica eles podem libertar-se quando quiserem.

Como podemos interpretar o Diabo nos dias de hoje? Estamos numa sociedade bem menos repressiva, embora o conservadorismo religioso às vezes sacode seus forcados e tochas. A sexualidade, a escolha de parceiros e até de formas de amar tem uma repressão menos explícita do que o Século XIV ou início do Século XX.

Um caminho foi apontado por Jung. Durante o nosso processo de individuação (a Jornada do Louco no Tarot é exatamente isto) encontramos com o nossa Sombra. A Sombra é a parte de nosso comportamento que rejeitamos e mantemos escondida de nós mesmo e dos outros. Pode ser algo que jamais iremos realizar por termos um conjunto de valores e crenças que condene este comportamento, mas que está lá e de vez em quando nos cutuca com seu tridente, como bem interpretou Napoleon Hill.

Fugindo um pouco da sexualidade, podemos pensar na corrupção. Ninguém em sã consciência vai se declarar a favor da corrupção, e provavelmente nem eu nem você iremos pegar um dinheiro que não é nosso. Todavia, podemos pensar hipoteticamente na possibilidade de estarmos numa situação em que teremos que decidir entre pegar ou largar. Qual seria nosso preço? Se largar significasse eu perder o emprego? E as corrupções do dia a dia, como furar fila, colar na prova, tentar obter um favor de um político para conseguir um emprego, etc..

No  momento (junho de 2020), estamos vivendo uma quarentatena, provocada por uma pandêmia. Os apelos dos comerciantes junto aos governos acabaram por “flexibilizar” a quarentena em alguns estados do Brasil,  um dia antes do dia dos namorados, para garantir as vendas. Esta busca do consumo, sem respeito a saúde, pode muito bem se encaixar nas tentações do Diabo. Há relatos de filas de consumidores esperando as portas dos shoppings abrirem. Mesmo que as condições de higiene dentro do shopping sejam grandes, uma fila do aldo de fora é um risco desnecessário. 

Para qualquer comportamento humano – bom ou mau – existe a possibilidade dele ser realizado por um ser humano. Todos podemos ser como Al Capone ou Madre Tereza de Calcutá. Segundo uma lenda urbana, Al Capone, ao ser preso, achou uma injustiça, porque ele só praticava o bem.

Em geral nossa Sombra se manifesta quando nos irritamos com o comportamento do outro, por um mecanismo de defesa do Ego chamado projeção. É o outro que rouba (mas eu fico com o troco que me deram errado), é o outro que come demais (mas eu assalto a geladeira de madrugada), é outro que é promíscuo (mas eu consumo pornografia).

Quando diante do arcano Os Amantes eu fiz uma escolha, a outra a que eu rejeitei ainda pode se apresentar como uma possibilidade, fazendo com que em algum momento ela se manifeste como o Diabo. É como se namorada por quem estava apaixonado e rejeitei para casar com outra que representava uma escolha mais racional reaparecesse na maturidade.  Minha vida já está em outro eixo, onde eu amo minha atual esposa. A dela também. Talvez ela tenha se casado com outro e agora tenha uma vida feliz. Ou se tornado uma pessoa amarga e depressiva pela rejeição que sofreu.

É isso que temos que examinar quando sai a carta do Diabo em um jogo. Quais são as tentações que podem me tirar do eixo e como posso fazer para enfrentá-las? Nem sempre é simplesmente rejeitá-las. Precisamos compreendê-las, verificar como isso afetada nossa vida e fazer novamente uma decisão, como quando fizemos ao escolher um dos caminhos a passarmos pela arcano Os Amantes.