Vez por outra, alguém levanta uma polêmica respeito de alguma inconsistência da Astrologia, quer para difamá-la quer para forçar uma revisão de conceitos. No final de 2015, uma destas polêmicas envolveu a constelação de Ofiúcos ou Serpentário, apresentada como o décimo terceiro signo. Esta constelação está entre Sagitário e Escorpião e além de trazer um novo signo provocaria o rearranjo de todos os outros e seria necessário o recálculo de todas as efemérides. Na realidade, esta polêmica ela é ressuscitada de vez enquanto, pois apareceu anteriormente nos anos 70, em 1995 e em 2011.
Ao contrário de descoberta de Quíron nos anos 70, que foi bem recebida pelos astrólogos que logo o incorporaram a seus mapas, o “signo” Ofiúcos foi mal visto e até agora, que eu saiba, nenhum astrólogo sério se debruçou sobre o problema. E não seria pela trabalheira do recálculo (o computador está aí pra isso) e nem por acrescentar uma linha na tabela do horóscopo diário dos jornais, mas sim por que não foi considerada relevante.
Do ponto de vista mitológico entretanto, a constelação de Ofiúcos deve ser olhada com uma boa dose de curiosidade, já que guarda um enorme relação com Quíron.
O outro curador
Quem representa Ofiúcos? O Serpentário tem uma nomenclatura similar a Aquário, que é portador da água. O Serpentário seria o Portador da Serpente. E este personagem é Asclépio da mitologia grega, ou Esculápio, da mitologia latina, o deus da cura. O nome da constelação faz referência ao bastão de Asclépio que representado por uma cobra em torno de um bastão (não duas como no bastão de Mercúrio) e atualmente é o símbolo da medicina.
Asclépio era filho de Apolo com a mortal Coronis. O deus do Sol a matou num acesso de ciúmes, sem saber que ela estava grávida. Arrependido, Apolo tentou ressuscitá-la, mas mesmo seus poderes foram insuficientes para salvá-la. Então, retirou seu filho do ventre de Coronis e deu-o a Quíron para que ele cuidasse. Mitologicamente, foi a primeira cesariana.
Quíron cuidou dele como se fosse seu filho e ensinou-lhe a arte da cura. Adulto, Asclépio passou a exercer a medicina, ultrapassando os conhecimentos do pai adotivo, pois pesquisava sempre novas formas de cura.
Suas habilidades entretanto provocaram a ira de Plutão, pois, como administrador do mundo dos mortos, via seus domínios diminuírem e exigiu de Zeus uma providência, pois Asclépio ressuscitava os mortos. Zeus interpretou isso como uma afronta, pois só os deuses podiam dar a vida e matou Asclépio com um raio. Na realidade Plutão disse a Zeus uma meia verdade, pois Asclépio salvava pessoas à beira da morte já sem esperanças, mas não ressuscitava os mortos, como Plutão contara. Porém, a verdade veio a tona, e, por intervenção de vários outros deuses, Asclépio foi colocado no céu, na constelação do Serpentário, passando a ser venerado como o Deus da Medicina.
Nos céus está entre Sagitário e Escorpião. Sagitário é justamente Quíron na juventude, Centauro que era um arqueiro excepcional e que viria ser professor de vários heróis, entre eles Hércules.
Um arquétipo nascente
Os arquétipos ficam latentes até serem despertos. Foi o que aconteceu com Quíron. Ele vem justamente nos anos 70, época do movimento hippie e do despertar para uma nova realidade espiritual. Começa-se a falar de Era de Aquário, de uma forma romântica e sonhadora e começam a surgir as terapias que posteriormente serão chamadas de holísticas, alternativas ou complementares.
E é Quíron que mostra o caminho. A maioria dos terapeutas começaram no ramo após uma busca por alguma cura e encarnam este arquétipo: o curador ferido. Alguém que sente compaixão pelo sofrimento alheio, por ter tido algum sofrimento similar. A compaixão é vivenciada no verdadeiro sentido da palavra: o sofrer junto.
Ou ainda quantos de nós tratam de um cliente após outro e não conseguem curar a si mesmos, nem de um simples resfriado? Ou ainda, quantos não levam para casa as dores dos pacientes?
Este é Quíron. Mas vamos dar uma olhada para Asclépio. Apesar dele ter tido um início de vida originado de uma tragédia, esta tragédia pouco o influencia. Ele está interessado no saber e no aperfeiçoar de sua arte a ponto de salvar quem está à beira da morte. Não que ele não se compadeça de seus pacientes, mas aí ele age como um ator que interpreta um papel. Enquanto está no palco, ele é aquele personagem. As cortinas de fecham ele volta a ser quem realmente é. Esta é postura do xamã, que veste uma máscara em suas cerimônias de cura. Enquanto está com a máscara ele é o deus da cura, mas não carregará consigo nenhuma das dores de seu paciente, assim que tira a máscara.
Talvez este seja o momento de nós, terapeutas, tentarmos ser Asclépio, de tratarmos nosso interagente com respeito e humanidade, mas sem carregar suas dores. Também seria o momento de olhar para nós mesmos.
Seria uma troca da Arquétipo: em vez de vivermos o curador ferido, passarmos a viver o curador que ama a sua arte e a desenvolve.
Mas acho que, por enquanto, não precisamos recalcular o zodíaco.